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Crônicas que contam histórias de Campos do Jordão

 

Lenda do Canhambora


Lenda do Canhambora

 

Homem estranho foi esse Ignácio Caetano Vieira de Carvalho, considerado o pioneiro de Campos do Jordão.

Viúvo e pai de três filhos morava em Taubaté. Deixou tudo, sob o maior segredo, e veio com a família desbravar os campos do Alto do Sapucaí-Guaçú, onde proliferavam animais bravios a uma temperatura rigorosa.

As enormes onças assustavam os seus filhos, que por enfrentá-las a toda hora acabaram por se acostumar: prendiam um enorme facão na ponta de um porrete e quando a onça acuada pelos cães se punha em posição de defesa, o caçador passava a provocá-la e ela ao saltar sobre o desafiante desesperada para trucidá-lo, saltava sobre a lâmina pontiaguda do facão, que tendo a outra extremidade apoiada ao chão a varava de lado a lado, provocando a sua morte instantânea.

Homem sóbrio, Ignácio Caetano não granjeara amizades, e dele se dizia que era muito rico, mas avarento e pouco temente a Deus. Inúmeras lendas logo o cercaram. O capitão Antônio Raposo de Almeida contou: "Ninguém me relatou o tipo físico de Ignácio Caetano, a não ser o Capivara - que conhecera os escravos do legendário aventureiro - a descrevê-lo nas suas alucinações de campeiro noturno; mas de seu caráter, de sua moral, posso dizer deduzindo dos atos que dele me contaram. Ignácio Caetano vivia nos Campos, explorando a indústria pastoril, que neles prosperava abundantemente, com o único dispêndio de sal e o amanho, em rodeios, para evitar o estado selvagem; naqueles bons tempos, um novilho custava um patacão, menos que uma pele de onça, pois que também era uma das indústrias do rico proprietário dar caça a essas feras com duplo proveito: diminuir o prejuízo no gado e vender a mosqueada e macia pele".

Por causa do tesouro enterrado entre três pinheiros, contava-se que "no leito de morte, e em delírio, o velho avarento e rico fazendeiro murmurava repetidas vezes: 'Lomba larga, três pinheiros', palavras que também lhe ouviram proferir os que, a desoras, transviados nos Campos, tiveram a desventura de encontrar, pela calada das noites ermas e escuras, o misterioso Ignácio Caetano, que apesar do tempo e do espaço ainda hoje vive e revive na história e na lenda popular, nas longas noites hibernais dos Campos, ao redor da fogueira acalentadora, quando a terra veste a roupagem alvinitente da geada; quando nos mangueiros repontam as manadas de gado, quebrando o silêncio da noite, com o estrépito das patas e os seus tristonhos mugidos; quando no silêncio azul dos céus cintilam os lampadários estelares, suspensos na amplidão intérmina do infinito".

Eduardo Moreira da Cruz contou que, por volta de 1910, quando chegou a Campos do Jordão, ouviu uma lenda sobre Ignácio Caetano.

"Em uma sexta-feira santa, Ignácio Caetano passou a mão em uma espingarda - não devia ser muito católico - e foi caçar, aproveitando a oportunidade para fiscalizar as suas extensas terras. Foi lá pelos lados do Itapeva. Encontrou um bando de bugios - macacos grandes que habitavam a região. Quando os viu, passou fogo, mas não acertou em nenhum. Conta-se, então, que o bugio-cacique falou:

- Margarida, pega aí a ferida, que eu vou descer lá embaixo, pra ver se o cabra é macho!

Ignácio Caetano ouviu e vendo que o enorme bugio descia da árvore com os olhos esbugalhados, disparou pelo mato adentro, em desabalada carreira.

Até o sábado de aleluia não havia voltado, assim todos partiram em sua busca: os familiares, os empregados e os escravos.

Em um córrego, no meio da mata, completamente desnorteado, estava Ignácio Caetano Vieira de Carvalho, que a muito custo foi trazido de volta à fazenda.

Essa corrente d'água chama-se Canhambora, situada lá pelos lados do Itapeva, que, na língua indígena, quer dizer 'lugar do bicho do mato'.

O professor Baltazar de Godói Moreira, em suas Memórias da Guarda, contou a origem da palavra canhambora: corruptela de quilombolo, adulterada para quilombola, calambora e, finalmente, canhambora, que significa 'negro de quilombo'.

"Quilombos havia mais ou menos nos matos mais densos e remotos em todos os municípios do País". O canhambora fugido, ninguém sabia de onde nem de que senhor, amoitara ali num desvão da grota.

Vivia como um bicho do mato, porém, livre. Isso foi no tempo da guarda militar, por aí.

Naquele tempo, todos sabiam da existência do canhambora, que não era incomodado. Constava que, certa vez, um capitão do mato, vindo de Taubaté, andara pelos campos à sua procura. Voltou de mãos abanando, pois apesar de varejar as matas com o seu faro de caçador não deu com o cativo fugido.

Meu avô confessou a papai que sempre cismou que, em caso de alarma, era na própria Fazenda da Guarda que o quilombola se escondia.

O canhambora já era uma tradição no lugar. Que ficasse. Um dia desapareceu.

Diziam que onças da serra o comeram. Ninguém soube. Assim como apareceu na região, um dia sumiu.

 

Pedro Paulo Filho

06/08/2009

 

www.camposdojordaocultura.com.br/ver-cronicas.asp?Id_poesia=8

 

 

 

 

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