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Crônicas que contam histórias de Campos do Jordão.

 

Meu testemunho centenário 


Meu testemunho centenário

Máquina "Prudente de Moraes", mais conhecida como "Catarina", no ano de 1914, em Pindamonhangaba.

 

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Conto em homenagem aos 100 anos da Estrada de Ferro Campos do Jordão, escrito por José Lelis Nogueira, autor do livro “Emílio Ribas – O Guerreiro da Saúde”.

Hoje, desgastada pelo tempo e solitária no meu silencioso recolhimento na cidade de Curitiba, recordo dos meus tempos difíceis e gloriosos, lado a lado a tantos corajosos líderes e operários que atuaram no drama da conquista ferroviária, por entre as escarpas íngremes da Mantiqueira.

Foram dois penosos anos para construir a Estrada de Ferro Campos do Jordão, aberta à base de enxadas, picaretas, marretas, brocas e limitados explosivos que a tecnologia da época podia oferecer.

Naquele tempo eu era forte e robusta, e meu coração batia com a força de uma locomotiva.

Nasci na Alemanha, e tão logo cheguei ao Brasil fui festivamente recebida em Pindamonhangaba, sob os olhares atentos e esperançosos de Emílio Ribas, Victor Godinho, Sebastião de Oliveira Damas, Joaquim Ferreira da Rocha, Floriano Rodrigues Pinheiro, e dos engenheiros Antonio Prudente de Moraes, José Antonio Salgado e Guilherme Winter.

Com a urgência e os prazos assumidos para concluir a estrada, o empreiteiro Damas, o subempreiteiro Joaquim, e o especialista em cantaria, Floriano, viam em mim uma importante parceira para auxiliá-los na empreitada. Ao lado deles, os doutores Ribas e Godinho, proprietários da Sociedade Anônima Estrada de Ferro Campos do Jordão, vibravam com minha chegada e já podiam sonhar com a breve viagem inaugural da ferrovia.

Apesar de muitas dificuldades, o prazo foi cumprido. Assim, eu pude registrar meu nome na história da saúde pública brasileira, colaborando para minimizar a dor de muitos tuberculosos, e ainda contribuindo, majestosamente, para alavancar o progresso da estância serrana jordanense.

Tenho ainda viva na minha memória a lembrança do inesquecível “15 de novembro de 1914”, quando parti da estação pindense rumo à Abernéssia, conduzindo as autoridades paulistas, eufóricas pela viagem inaugural da Estrada de Ferro Campos do Jordão.

Cada dormente que passava parecia o quadro de um filme que me fazia recordar a batalha de cerca de trezentos valentes operários, os quais, carinhosamente, chamavam-me de “Catarina”. Formamos uma equipe perfeita: eu os transportava, e eles, suados na linha de frente, desbravavam o meu caminho.

Em um dado momento da histórica viagem, recordei um inusitado e preocupante episódio ocorrido quando o projeto estava em plena execução: a verba acabara e a construção seria interrompida! Que lástima! Tanto esforço para terminar em fracasso. Apesar dos apelos de Ribas e Godinho, o dinheiro não aparecia. A salvação veio de Damas: à custa de elevado desprendimento e incomum espírito público, o empreiteiro vendeu bens particulares e empenhou propriedades suas, a fim de garantir os recursos necessários à conclusão da obra.

De súbito, meu pensamento deixou as recordações e meus batimentos se aceleraram, junto com a comoção de todos, no instante em que estacionei em Campos do Jordão: eu apitava exageradamente, como alguém que comemorasse o gol do título de seu time do coração.

Com o tempo fiquei ultrapassada. Deixei de conduzir pessoas e me mudei para Minas Gerais, onde fui trabalhar numa mineradora.

Quando já estava velha e cansada, preocupada com meu destino, cruzou minha vida o comerciante curitibano Altair Barranco, o qual me acolheu com muito carinho, e até hoje ele e sua família mantém para comigo essa carinhosa relação e me conservam como relíquia.

Mas eu tenho saudade de Campos do Jordão, daquela gente que nunca me esquece, daquele invejável clima, daquela vegetação maravilhosamente descrita por Olympio Portugal: “...há um quê da flora alpina: flores de cores vivas, rentes à terra, parecendo mais obra da luz do que do chão.”

Por isso, eu apelo às autoridades de São Paulo: Levem-me de volta à Estação Emílio Ribas. Não sou inútil, posso trabalhar como a guardiã do Centro de Memória Ferroviária. Posso contar às gerações contemporâneas e futuras a história de uma batalha – A Batalha de Campos do Jordão – que não foi uma guerra sangrenta, mas sim uma luta para salvar vidas.

Na esperança de que minha voz não clame no deserto, humildemente, confesso que não sou gente, sou uma máquina: a “Locomotiva Prudente de Moraes”, e muito me orgulha ser lembrada como “Catarina”.

José Lelis Nogueira

30/10/2015

 

Acesse esta crônica diretamente pelo endereço:

www.camposdojordaocultura.com.br/ver-cronicas.asp?Id_cronicas=173

 

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